Já há muito que não escrevia aqui, hoje senti necessidade.
Senti necessidade porque este cantinho que é a página Acredita Francisca além de ser um espaço de partilha do nosso dia a dia e desmistificação do que a trissomia 21, é também o sítio onde partilho as nossas conquistas mas também as frustrações. E não faz sentido pintar tudo de cor de rosa porque sabemos que a vida real não é assim.
É por isso que hoje partilho convosco que às vezes não sei se sou eu que coloco expectativas muito elevadas quanto às potencialidades e ao futuro da Francisca ou se realmente a sociedade ainda tem muito que evoluir. E se esta evolução ainda não aconteceu nos profissionais de saúde que lidam diretamente com crianças/pessoas com necessidades especiais, sejam elas quais forem, então estamos muito longe do que é realmente uma sociedade inclusiva.
Hoje, na segunda consulta de psicologia de desenvolvimento, sendo que a primeira foi há dois anos atrás, a psicóloga começou por querer fazer um apanhado da situação atual da Francisca.
Fui de coração aberto, como sempre, e referi então as especialidades médicas pelas quais a Francisca é acompanhada e qual a intervenção atual no âmbito da estimulação cognitiva.
Na conversa referi ainda o que já vos contei aqui, que foi no íncio da pandemia há um ano atrás, com algum choro e ainda alguma dor à mistura, que acabei por aceitar e encarar de frente as dificuldades da Francisca, sabendo que elas iriam fazer parte do seu percurso, a par das conquistas, tal como acontece com qualquer criança, qualquer pessoa.
O assunto seguinte foi a entrada na escola em setembro e foi aí que eu deixei de falar. Foi me dito que eu iria chorar ainda muitas vezes, porque o sistema de ensino não está preparado ainda para ser verdadeiramente inclusivo e que eu iria ter de estar muito atenta. Concordo.
De seguida foi me dito que o importante é que ela aprendesse o essencial, a ler e a escrever porque depois tinha de ser o mais autónoma possível para integrar um emprego protegido. Que haveriam conteúdos que, portanto, não iam ter interesse nenhum para ela.
Eu ainda tentei explicar que ela não tinha de aprender o mínimo mas sim tudo quanto lhe for dado e ela for capaz de apreender, como qualquer outra criança. Disse-me que sim, mas que o mais importante era que ela tivesse acompanhamento nos intervalos, que era aí que ela ia ser feliz por isso convinha ter alguém a vigiar e a garantir essa felicidade. Até porque da sala de aula, ela não ia gostar. De referir que esta profissional não fez nenhuma avaliação à Francisca na consulta e a única pessoa que falou fui eu.
A questão aqui não é o que a Francisca vai ou não fazer no futuro, porque isso ninguém sabe e seja qual for o seu futuro das minhas filha, eu só quero que seja digno. A questão aqui é ditar o futuro de uma criança pelo diagnóstico que tem. Aprender o mínimo, ser feliz e ter um emprego protegido para ganhar algum. E porquê? Porque tem Síndrome de Down. Não aceito, nem nunca vou aceitar.
A escola dá bagagem e é fundamental. As aprendizagens não podem ser as mínimas. E a bagagem que a escola dá, a par da educação familiar, é a preparação para a vida, a capacidade de critica, a capacidade para gerir um conjunto de situações do dia a dia, a capacidade para estar integrado, a capacidade para ser capaz (desculpem a redundância) para viver em pleno exercício de direitos e deveres.
Não falo portanto de canudos, de status, falo sim do direito que a minha filha tem, e por esse sim lutarei, de ter as mesmas oportunidades de aprendizagem e de vida que qualquer outra criança.
Se já começa assim não me verão as lágrimas mas sim as garras.