7 dias para os 6 anos!
No dia 15 tivemos alta. Pedi muito para ir para casa.
Era domingo, não haviam as vacinas que normalmente os bebés tomas após o nascimento e portanto ficamos com o compromisso de que voltaríamos no dia seguinte para ela as tomar.
Informamos a família de que íamos voltar. Uma das minhas cunhadas, que estava a par de tudo, tinha preparado na minha casa o nosso regresso e a família esperava-nos. Não sabiam de nada.
No caminho liguei para a pediatra que já acompanhava a Matilde e em quem confiava plenamente. Pedi-lhe por favor que visse a Francisca naquele dia, que a pudesse observar e que com o seu olho clínico pudesse dar o seu parecer. Estava marcado para as 18h. Tinha de "despachar" a família até lá porque se dissesse que a ía levar a uma consulta ia causar alarido.
Todos nos receberam felizes e com carinho, sem imaginar o sufoco que vivíamos por dentro.
Às 17h30 saímos de casa na esperança de que a Dra C. nos ajudasse, e ajudou muito. Disse-nos que pela sua avaliação poderia haver trissomia ou hipotiroidismo congênito, para aguardarmos com calma e que quer numa situação ou outra iria correr bem porque, nomeadamente no caso da trissomia, só conhecia histórias felizes. Deu-nos a conhecer alguns blogs, aconselhou a contar à família apenas quando houvessem certezas e disponibilizou-se para qualquer ajuda. Detetou ainda um sopro no coração que não lhe pareceu nada significativo e que iria acompanhar.
Regressamos, e a meio do caminho recebemos uma chamada da irmã mais velha do Miguel, que nos foi visitar mas nós não estávamos em casa. Dissemos que fomos sair e ela achou que estávamos loucos!
Nesse dia à noite notei que a Francisca ficava cianosada na zona da boca em alguns momentos e por conselho de uma amiga no dia seguinte, quando a Francisca foi tomar as vacinas, partilhamos esta situação com a pediatra que nos aconselhou a ir à urgência. Como já referi noutras publicações, a Francisca ficou internada para observação devido a um problema cardíaco e foi durante esse internamento, ao 6º dia de vida, que tivemos a confirmação: Trissomia 21 por mosaico.
O Miguel ainda alimentava em si a possibilidade de ela não ter nada e custou-lhe mais; eu já quase não tinha dúvidas, já tinha lido muito, já tinha procurado terapias, falado com uma amiga que trabalha na área da deficiência e que me tinha acalmado o coração, portanto para mim já não foi um choque.
Passados 6 dias tivemos alta e eu saí com força. Na verdade o que me movia era a vontade de combater a trissomia, quase uma ilusão (muito errada) de cura. Estava disposta a fazer de tudo para que ela não tivesse nenhum handicap. Li muito, conversei muito com outra mãe, muitas pessoas se disponibilizaram para me ajudar e eu estava convicta de que ia correr bem.
Há muito quem fale de um processo de luto do bebé idealizado nos 9 meses de gestação e que após um diagnóstico como este é inevitável que se reformule sonhos e perspectivas para aquele "novo" filho. Eu passei algumas fases do luto, nomeadamente as questões do "porquê eu", o choro, a revolta, o desfazer-me de todas as roupas de grávida, mesmo as que podia continuar a usar e das quais gostava, Durou pouco tempo este processo mas sem vergonha assumo que passei por ele...
Aos dois meses e meio fomos com ela a Madrid, fazer formação do método Doman para pais e a avaliação para que pudéssemos logo começar a implementar a estimulação precoce intensiva que duraria até aos 6 anos de idade. 4 dias intensos, de muita aprendizagem e de muita esperança no coração.
Seguiram-se 5 anos de terapias, preparação de material ao fim de semana, aplicação de exercícios diários feitos por mim e por todo um conjunto de pessoas que acima de tudo souberam respeitar as minhas decisões e alinharam comigo em prol do desenvolvimento da Francisca! Foram milhares de horas de investimento que estou convicta de que valeram a pena.
Muitas conquistas, muitas frustrações e uma obsessão diária em não falhar com nada.
Nesses 5 anos mudamos de casa, mudamos de terapeutas, aprendemos a ser humildes e a pedir quando precisamos de ajuda, criamos este pequenino blog, ajudamos outros pais, outros pais nos ajudaram. Os amigos de verdade ficaram connosco, conhecemos novos, perdemos alguns que não entenderam as nossas escolhas e não souberam lidar com as nossas decisões, fomos apreciados e criticados... Entre sentimentos de culpa por achar que poderia fazer mais, vontade de desistir de tudo, ataques de pânico... entre ajudas preciosas e desajudas que mais tarde percebi que foram o melhor, chegamos a 16 de março de 2020 convictos de que tudo estava certo e era suficiente porque já nos parecia tanto...